Caso Isabella e o absurdo da condição humana.
Notícia publicada na edição de 22/03/2010 do Jornal Cruzeiro do Sul, na página 6 do caderno A.
"Quando o silêncio se impõe, um abraço afetuoso vale muito mais como consolo por tanta tristeza"
Um corpo que cai numa noite de sábado. A vítima é a menina Isabella, de 5 anos. O que espanta é a possibilidade de o pai, Alexandre Nardoni, e a madrasta, Anna Carolina Jatobá, estarem envolvidos no crime. Passados quase dois anos daquela noite de 29 de março de 2008, o destino do casal Nardoni está nas mãos de sete jurados. O país inteiro concentra as atenções no tribunal do júri de São Paulo. Uma ansiedade coletiva toma conta de todos. E então, digam-me, por que esse caso é tão perturbador?
Não é uma história comum. Os ingredientes são dignos dos grandes filmes de suspense, dos clássicos da literatura, das mais intrigantes crônicas policiais. Há uma menina indefesa, vítima de uma violência devastadora, daquela espécie fora de qualquer classificação. Existem dois suspeitos, o pai e a madrasta, mas não há confissão. Os acusados negam o crime.
Insistem na ideia de que havia uma terceira pessoa na cena do crime. Enquanto isso, a mãe de Isabella, Ana Carolina Cunha de Oliveira, suporta uma indescritível carga de sofrimento, dor, saudade. Sensibilizados, não temos o que dizer. Às vezes as palavras são insuficientes. Nessas horas, quando o silêncio se impõe, um abraço afetuoso vale muito mais como consolo por tanta tristeza. De resto, acusação e defesa entram em duelo manejando provas técnicas - um imenso contraste com as emoções em jogo.
Se a história fosse um filme, a primeira cena poderia ser aquela da família saindo do supermercado momentos (ou horas) antes do crime. Não é preciso existir outras cenas filmadas para imaginar a sequência das passagens descritas (ou sugeridas) pelas tais provas técnicas. E aí está o primeiro fator de perturbação. Não havendo testemunhas do crime, estamos diante das provas, de um lado, e da alegação de inocência do casal Nardoni, de outro. Fica estabelecido um mistério. Como resolvê-lo?
Se a história fosse um romance, o discurso interior dos personagens poderia revelar pistas, embora não necessariamente conclusivas. Na história da literatura há exemplos disso. Nem Machado de Assis convence inteiramente quando dá pistas de que Bentinho, o seu famoso personagem de “Dom Casmurro”, pode ter sido traído por Capitu. Da mesma forma, provas técnicas, mesmo que levantadas por peritos experientes, não teriam também a característica de serem pistas? Ou podem ser tomadas como verdades definitivas? Na natureza humana até aquilo que se toma como verdade pode ser contestado.
Somado a tudo isso, há um clamor social para que a justiça dos homens seja feita. Perguntas são disparadas sem rodeios: “Você acredita que o casal Nardoni matou Isabella?” As provas afirmam que sim, mas os acusados negam.
Acreditar significa aceitar as provas antes da sentença e o contrário corresponde a dar crédito à alegação de inocência. O que fazer? Eis no que consiste o nosso envolvimento emocional e os nossos conflitos nessa história toda: é muito complicado tomar uma posição honesta quando os elementos de base somente nos permitem acreditar ou não. Toda crença tem relação íntima com uma fé e é impossível evocar esse tipo de válvula de escape no caso Isabella. Há os que condenam os Nardoni antecipadamente e as emoções do caso tornam compreensível esse comportamento.
Não conheço quem ache que eles são inocentes. O julgamento dirá se eles são inocentes ou culpados. Isto é, se não houver adiamento - até isso pode ocorrer. Da mesma forma, não é possível que um crime tão bárbaro possa ficar impune, pensamos. E afirmamos que uma eventual impunidade, num caso tão chocante, colocaria em xeque a nossa crença na capacidade dos sistemas criados pelos homens para enfrentar tais dificuldades.
A história de Isabella nos espanta também porque revela a nossa incapacidade de lidar com os absurdos da existência. Que absurdo maior pode haver numa família que sai do supermercado, como tantas outras, mas, como nenhuma outra, de repente se envolve numa tragédia que comove o país?
É a mesma relação absurda que leva uma pessoa a se despedir de outra na calçada de uma rua, dar o primeiro passo para atravessar a pista e ser morta por um carro. A condição humana tem dessas armadilhas. Que os jurados do casal Nardoni tenham sabedoria para dialogar com o absurdo.
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COMENTÁRIO RECUSADO:
ResponderExcluirSe condenados, o que provavelmente acontecerá devido às provas técnicas e científicas, eles e outros que cometeram e cometem crimes hediondos e bárbaros como este ou de qualquer natureza assassina e se vivêssemos em um País sério onde a Constituição determinasse a pena de morte para quem tira a vida de outro, eles ou qualquer outro não teriam cometido o crime porque antes de praticá-lo saberiam que se provado que foram os mentores do crime e que irá morrer com uma bala na cabeça, uma injeção letal ou na cadeira elétrica, com certeza não só esta garotinha, mais muitas vidas entre aproximadamente os 43 mil assassinatos que ocorreram no ano de 2008 e os 48 mil assassinatos que ocorreram no ano 2009, teriam sido salvas. Mas como estamos no Brasil o País das contradições dantescas, onde o genocídio de 2009 denunciado pelo ONU e que vem aumentando na proporção de 800 assassinatos a mais a cada ano desde 2009 com projeções catastróficas para 2050 e 2100, e dois meses após esta trágica e gravíssima divulgação, a nação da uma festa chamada carnaval para o mundo, não é de se estranhar após este absurdo social, que a sociedade acabe aceitando que qualquer crime no Brasil é apenas mais um nas estatísticas e querendo o cidadão admitir ou não, é assim no Brasil. Com certeza afirmo que em pouco tempo não só estes assassinos mais muitos outros estarão soltos, porque não irão cumprir a pena branda de 35 anos e sua prisão irá ser amenizada para talvez 8 ou 6 anos, isto sem contar os indultos disto ou daquilo. No Brasil a Constituição da República Federativa do Brasil, não protege o cidadão. Afinal não tivemos o direito de opinar, não fomos consultados, não houve plebiscito e tudo foi elaborado dentro de quatro paredes. Todos temos nossos direitos assegurados na Constituição, se não leu, baixe na internet e leia, e verás que os direitos dados aos brasileiros, está só no papel e a discrepância dantesca a cada capítulo, artigo ou inciso é latente e revoltante, porque trata-se de um abuso ao analfabetismo político da maioria dos brasileiros.