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sexta-feira, 16 de abril de 2010

CASAS DE TAIPA

Matéria selecionada do Diário do Nordeste em 04/04/2010

A vida entre paredes de barro
A casa de taipa de Maria de Lourdes Ferreira, em Limoeiro do Norte, é uma das 70 mil instaladas na zona rural do Estado do Ceará. Habitação mostra a relação taipa-pobreza-doença e a fragilidade das construções coloca em risco a vida de adultos e crianças com a contaminação da Doença de Chagas.
Estima-se que existem pelo menos 70 mil casas de taipa no Ceará, instaladas na zona rural dos municípios.
Limoeiro do Norte,  o sertão, que alguns dizem ser castigado pela natureza, é tão dadivoso, que seu solo rico em argila emerge do chão, modela-se, faz que é ser vivo erguido e sustentado por "costelas" de talos de carnaúba. O emoldurado é um casulo de barro, uma casa, a moradia possível, que gente como Maria de Lourdes Ferreira ergueu em Limoeiro do Norte com as próprias mãos. Herança cultural desde o período colonial, as casas de taipa, ou de "pau-a-pique", são cobertor para milhares de cearenses. Mas a rusticidade, às vezes bela, foge de qualquer romantismo e reflete um sério problema social e de saúde pública, que segmenta o conceito de moradia.
 O dia mal amanhece, Maria de Lourdes levanta da rede, acorda o resto da família, que o "vão" é pequeno, e para não "empatar" o trânsito dentro de casa é bom acordar cedo mesmo, que a criança tem colégio e os homens de casa têm que trabalhar, ou pelo menos tentar, já que todos estão desempregados à procura de "bicos".
 As redes são recolhidas para cima da parede, que não têm mais de dois metros de altura. Não precisam de cabide armador de ferro, se a própria armação de carnaúba que emerge da parede dá sustento à ponta dessas redes, ainda que entre um balanço e outro lá de longe se ouça um rangido na parede, que até agora não caiu e "se Deus quiser nunca vai cair", diz a mulher, principalmente agora que "está pra receber" uma casa de tijolo. Pelo menos é a conversa de há oito anos, a esperança instalada em quem tem 46 anos de idade e nunca morou em casa de tijolo.
                   Tirando o neto Daniel Lima, que só tem 5 anos e corre descalço e pelado pelo meio da casa, os outros seis moradores tiram os pés da rede direto para as chinelas. Não só a parede, mas o chão é de barro, "e se não cuidar os pés estão pretos de sujo". Se sujar, não pode limpar logo, que a água potável é pouca na Chapada do Apodi.
                 O que se preserva é para beber, ainda que a água para consumo doméstico tenha sido, por diversas vezes, condenada por médicos, pesquisadores e militantes sociais que acompanham os problemas envolvendo contaminação por agrotóxicos na região. No Ceará, estima-se em pelo menos 70 mil casas de taipa instaladas na zona rural dos municípios. Esse tipo de arquitetura não seria tão problemático não fosse a fragilidade das construções de barro.
                  Com paredes esburacadas e sem revestimento, as armações de madeira expostas à umidade são favoráveis à instalação de mosquitos, como o transmissor da Doença de Chagas, que no ano passado acometeu 3,5 milhões de brasileiros, segundo os dados da Organização Mundial de Saúde (OMS).
                   A doença é silenciosa e alguns casos só foram diagnosticados em Limoeiro porque o infectado pretendia fazer doação de sangue. É a precariedade dessa moradia nas regiões que causa a relação taipa-pobreza-doença.

Cultura

                    Além de ser um problema social, a construção de casas de taipa tem raiz cultural: até o portugueses, quando vieram para cá, levantaram casas e fortes militares de barro. Séculos depois, milhares de famílias pobres continuam na moradia alcançável, embora sonham morar numa casa de tijolo.
                   Mas antes disso, adquirem televisores, aparelhos de som, de DVD e antena parabólica. É o dilema do sonho possível, mas pouco provável, embora recentes projetos habitacionais, estimulados pelo Governo Federal e pela Caixa Econômica Federal, tenham reforçado a esperança de milhares de pessoas que esperam por uma nova morada.
                   Terra no chão, na sola do pé, no cabelo impregnado do barro que teima em se desprender da parede toda vez que dá um vento e a porta "bate com tudo", a moradia possível ainda é preferência (ou consolo) para gente como dona Eunice dos Santos, de Russas, que defende as paredes de sua casa de taipa: "é melhor que de tijolo, porque o barro quando cai é de pouquinho, dá tempo de remendar, e o tijolo quando cai é a parede inteira", compara.

Melquíades Júnior

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